Desde bebé tinha a certeza que era melhor que os outros. E esse facto ficou bem vincado no momento do seu nascimento. Nasceu a fumar cachimbo, em pose autoritária, note-se, e a ler Alexandre O’Neill. Disse na altura, em tom snob “Não me batam no rabo que eu não quero chorar, caso contrário perco o raciocínio ao parágrafo.”
Miguel Camões… Pshi! Até o nome lhe dava condições para vingar. Mas a este não lhe interessou nadar com um só braço para salvar um Odisseia. Este, pobre coitado na minha opinião, entregou-se ao seu lado virado para Satanás, prendeu as trevas à cintura, como que se tivesse nascido siamês do lado negro da lua.
Era muito má pessoa. Em vez de ficar em casa a selecionar roupa antiga para doar à caridade ou a ler os livros da Anita, mandava matar chineses para fazer casacos de pele e cortava a cabeça dos inimigos para fazer pantufas.
Dedicou-se então ao pior crime do mundo… O suborno!
Senhoras e senhores, pessoas e não-pessoas, este é Miguel Camões, o primeiro “subornista” de profissão, a descontar para a segurança social e com escritórios na Damaia. Rei da prática do bom suborno.
Para além de subornista a tempo inteiro, tinha um part-time como proxeneta e burlão, actividades em que não era tão bom.
Tinha uma velha máxima “Não aceitarás suborno, porque o suborno cega os olhos do sábio e falseia a causa dos justos. Agora, se for eu a subornar, tudo bem.”
Desconectou-se cedo das alcunhas foleiras, advertindo-se a si mesmo que quem as tinha acabava preso, recordando o “mãozinhas” ou o “naifas”.
A primeira vez que subornara foi numa aula de EVT (Educação Visual e Tecnológica, para quem não foi além do quarto ano de escolaridade). Tinha apenas onze anos, mas com a noção perfeita de que uma garrafa de whisky lhe garantia nota máxima, sem ter que pintar a guache ou trabalhar com madeira. Esperto o raio do moço!
Começou a dar dois contos à mãe todos os dias para lhe trazer o pequeno-almoço à cama.
A sua melhor negociata foi preparada para o dia do seu casamento. Convenceu a noiva, uma belíssima mulher búlgara, a casar com ele, com a promessa de duas anualidades da revista Maria e um passeio à Bracalândia. De facto, para quem tinha treze anos, não se contentou com o facto de ir casar com um homem de vinte e seis. O raio da miúda fez birra para ir ao parque de diversões. Convenceu o Papa a presidir-lhe a cerimónia em troca de um maço de tabaco. Um volume de SG Filtro. O raio da Papa também fuma com um cavalinho. Depois mal se percebe o que diz. A cerimónia realizou-se no Autódromo Nacional, com a promessa de lhes ceder o piloto Angélico Vieira. Infelizmente, Angélico foi fazer umas corridas para aquele país que se chama… céu. Tinha padre, tinha local, tinha noiva, faltava-lhe o padrinho. Convenceu o Nuno Luz em troca de um curso de jornalismo.
Tudo corria bem. Era bilionário, bem sucedido com as mulheres e ganhou um autocolante super-raro no bollycao. Até que numa viagem a Londres se cruzou com um indivíduo.
Os pés gelaram-lhe. O coração martelava-lhe o peito. As mãos e os joelhos rebentaram-lhe a escala de Richter e nos seus olhos desaguavam todas as formas líquidas do planeta, desde àgua até ao gin, passando pelo azoto líquido. Em trinta e quatro anos de vida nunca tinha visto tanta trafulhice junta. Era Vale e Azevedo.
Afundou em tristeza. E como diz o ditado “Se não consegues vencê-lo, junta-te a ele, mata-te ou dedica-te a outra coisa.” Miguel dedicou-se a outra coisa, que foi o mesmo que morrer. Missionário em África, doou toda a sua fortuna à caridade e fundou a Liga Protetora dos Aleijadinhos… ‘Tou a brincar. Tentou matar o ex-dirigente, mas como não conseguiu veio para casa e continuou a sua vida normal. A conquistar e a conseguir o que queria através de promessas.
Moral da história: Nem toda a gente que pratica o mal, fode-se no fim.
Johnny Almeida