Segunda-feira, 6 de Maio de 2013

Tudo bons rapazes

Então ouvi dizer que o senhor Isaltino foi ao hipermercado e que ia repenicando a fruta para encher o bandulho e não pagar nada à saída, isto é verdade? Às vezes também faço isso, mas não venho de lá sem vontade de jantar. Como uma uvita aqui, uma rodelita de chouriça ali só para provar. E é aqui que a minha atitude e a desse tal Isaltino divergem, porque se eu gostar trato de ver o preço e comprar para depois encher o bandulho em casa, à bruta e às claras, sem qualquer tipo de vergonha (porque não tenho de ter e, não, porque tenho de dar a entender que não a tenho).

 

Na realidade, ele já ia ao super, até mesmo ao hiper, mesmo antes de ser independente, desconfia-se. Mas foi apenas há oito anos que um dos empregados do estabelecimento – e não dele – desconfiou que algo se passava, pois o cliente não saía de volta do leite, passava tempos e tempos na charcutaria e não largava a fruta antes de estar farto que nem um burro. Aquilo era um pandã vê-lo a sair de lá e as portinhas a apitar porque leva etiquetas e tudo dentro do bandulho. Infelizmente só devolvia as que levava no bolso.

 

Não poupava nada do que pertencia aos outros, todos desconfiavam e ninguém sabia. Foi assim até ao dia que a senhora andou de lupa na mão, entre o frio da neve e o doce do chocolate, com exclamações e julgamentos pecaminosos a passarem-lhe pela cabeça, felizmente com os olhos bem vendados e com as mãos ocupadas. “Como é possível?” era uma das mais frequentes e não lhe saía da cabeça nem que quisesse pensar no aumento das vendas dos pastéis de nata; “Isto é uma filha da putisse!” era outra que a assaltava em conjunto com a indignação que trepava pelo bronze mais rapidamente do que a celeridade das suas acções.

 

A ganância cega-os - tal como a senhora que acusam de estar miope - e, por vezes, tem uma espada na mão, que acaba por ferir um e outro, muitos deles sem olhar para a balança na outra mão. Começo a acreditar que já deixaram de usar perucas sem sentido, embora as vestes negras ainda limpem o local onde se sentam. Apesar disso, é essencial trar a venda dos olhos dos justiceiros e deixar a sua mentora de olhos bem vendados, porque o nevoeiro não vai impedir que os piratas saiam à rua.

Teve alguns encontros com o sr. Colesterol, agora adivinham-se consultas particulares durante os próximos dois anos, mas já devia frequentá-las há oito. Isto se não faltar ao encontro. Pode acabar por meter baixa por doença ou aproveitar-se dos danos morais excessivos provocados pelo excesso de sistema, da qual seria uma das muitas vítimas com olhos na cara e, portanto, incapaz de se desviar. Aliás, mesmo que o fizesse, a publicidade era tanta que este – nem ninguém - conseguia escapar a tal infurtúnio.

 

A verdade é que muitos conseguem desviar o olhar sem pestanejar uma vez que seja. Revelam algum desprendimento, incompreensível! Talvez se encontre uma justificação na zona em que se vive, nas pessoas com as quais se deparam em locais públicos, como nos supermercados, who knows! Podem ser inúmeras as razões que motivam cada um deles – podia usar o pronome pessoal “nós”, mas sentir-me-ia ofendido por mim próprio, e isso é uma coisa que evito.

 

Abrindo o alcance da minha perspectiva, um pirata é sempre um pirata, um mercenário é sempre um mercenário, um presidente de câmara é sempre um presidente de câmara, ambos fazem batota, nenhum deles encontra a finalidade na sua obra, ninguém os faz disfarçadamente e dão justificações tão esfarrapadas que não lembrariam nem ao Oliveira e Costa. Se nós temos várias teorias acerca dos esfomeados – não dos que passam fome – eles têm apenas uma: precisam de se alimentar (vejam reportagem A Fraude). Mesmo que tenham acado de sair do restaurante.

 “O que um homem pode fazer e o que um homem não pode fazer são, segundo o mais conhecido dos piratas, as únicas regras válidas” ou “agarra o que puderes, não dês nada em troca” também descreve perfeitamente em que direcção se movem, porque como se movem pouco interessa. Além disso, a regra de ouro – já não sei se falo apenas dos piratas - diz que estes não devem obedecer à lei em circunstância alguma.

Parece que há sempre uma maneira de contornar o código, alterando-o nele para conservar a sua posição e dominando... o que for preciso. E quem os auxilia nesta demanda? Deixo-vos pensar na resposta. Impõe-se aquele ditado que diz que “tão cego é o que não vê, como o que não quer ver” e, prevê-se, que também não seja nada justo tanto para lesados como para lesadores.

 

Paulo Jorge Rocha

Publicado por Universo de Paralelos às 16:48
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