Eu não me calo e falo com a força do sangue que me ferve nas veias. Pode vir a polícia para me calar, mas que o faça da maneira certa, porque eu adoro fardas. E não me peçam silêncio. Podem ter a certeza que gritarei ainda mais alto.
De dia, conduzo um táxi. Rude e trafulha, sou Carlos Alberto, o gajo que te leva pelo caminho mais longo se fores turista. À noite, sou sensível e sublime. Sou Madamme Croissant, que podes comer à vontade desde que tenhas pêlos no peito e me chames nomes feios. Tenho orgulho no meu slogan “Ostentosamente, Madamme Croissant. O único homem da minha rua a usar soutien.”
Devo ser marginalizado só porque não nasci mulher? Sou igual a todas as outras, só não tenho a menstruação e ainda me sobram uns pêlos nas costas à espera de depilação. Sou uma Jodie Foster que compra gillets e tem maçã de Adão. Que mal tem ter defeitos? A tua mulher é gorda e vocês são casados.
E não me peçam para me calarem ou falar mais baixo. Isso foi o que eu fiz a vida toda. Não posso sair para almoçar de vestido decotado e sandálias, porque a pobre sociedade não está preparada. À noite, os mesmos tarados que reprovam as minhas atitudes de dia, assobiam-me, bêbados e babados, enquanto me prendem notas nas cuecas. Com a crise, atiram-me moedas. O que me deixa as pernas cheias de marcas, mas nunca vi ninguém recusar dinheiro e eu não sou excepção.
Quem é que deve ter vergonha? Eu, que finjo ser diva de cinema? Ou aqueles homens de gravata que ora, falsamente, me criticam, para, horas mais tarde, estarem cheios de tusa a ver um traveca dançar? Portanto, não me calo, nem deixo de gritar. Sou um pavão, amor, que tu pagas para veres abrir as asas. E se voltas, é porque gostas.
Eu não me calo e reivindico os meus direitos. Quero que toda a gente me aceite como sou. Mas há uma questão que assombra a minha careca no cocuruto, mesmo quando uso uma cabeleira ruiva. Afinal, quem sou eu?
Johnny Almeida