E tratam-me assim. Não há direito. Quer dizer, atravesso eu a rua para vir aqui e não têm nenhuma consideração por mim. Esta gente não sabe quem eu sou. Eu sou superior a esta gentalha popularucha.
Eu já fui Miss Sibéria 2008. Eu inventei o sabonete líquido de alfazema. Mas ainda há mais. Ainda há muito mais. Eu já dei o corpo para fazerem moldes para os manequins da Zara. Ah, pois! Eu escrevi as últimas duas páginas da Bíblia. Eu construi um foguetão em quinze dias e só não fui à lua porque ele era de plasticina.
E sempre que vou tomar café dizem-me assim “Ó dona Glória, fica por conta da casa.” Claro que fica. Aqueles senhores do café sabem exactamente quem eu sou e da importância que tenho para o mundo.
Se não vejamos. Eu fui a primeira pessoa a ver extraterrestre a falar com alentejanos. E estavam a falar de coisas importantes. Havia respeito mutuo. No centro de emprego toda a gente sabe quem sou. Troco mensagens com o bispo de Porto. E as vezes até mensagens de imagem com fotografias de gatinhos. E dou-me com mais gente famosa. Sou amiga íntima da Merche Romero e do menino Tonecas. Ganhei três menções honrosas no concurso de bordados da Brandoa. Jogava ao sobe e desce com os zombies muito antes deles estarem na moda. E deixava-os ganhar sempre para eles não me comerem um braço.
Fui júri do concurso miss tshirt molhada da comunidade lésbica de Paris. Vieram-me convidar a casa. Gente simpática por acaso. Só não percebi aquela tradição que elas têm de tomar todas banho juntas. Fiquei em segundo lugar no corta-mato. E só fiquei em segundo lugar porque fiz o aquecimento à base de gin e cachaça. Se estivesse sóbria, ganhava.
Fui a primeira mulher virgem de boca a conduzir autocarros. E orgulho-me disso. Se bem que ainda hoje não percebo aqueles círculos com a borda a vermelho e que dizem STOP. Na minha opinião aquilo só serve para distrair os condutores.
Vendi a minha colecção de cromos e um rim para angariar dinheiro para uma associação que protegia crianças dos monstros que elas tinham no armário.
E chego aqui, à fila do Pingo Doce, e para além de não me deixarem passar à frente, visto ser quem sou, ainda sou ultrapassada por um senhor com um andarilho e por uma mulher grávida. E a menina da caixa que nem a quarta classe deve ter, vem-me com a desculpa de “Ai e tal, é uma caixa prioritária”. Gente mal formada. Vou dar-lhe dois estalos que lhe viro a cara para o cu, quando ele me perguntar se tenho cartão-cliente, para ela ver se aprende. A brincadeira tem hora.
Johnny Almeida